A cibercultura e a sociedade contemporânea. E agora?
Pierre Lèvy refere-se às telecomunicações como um novo dilúvio de informações, “gerado por conta da natureza exponencial, explosiva e caótica de seu crescimento” (Lèvy, 1999, p. 13), o que nos alerta para o facto de a civilização atual chamar “de volta para si o que um dia expulsou: a instabilidade, o hibridismo, o nomadismo, a descentralização” (Biro, 2019). Lèvy recria assim a metáfora bíblica da salvação por Noé que, desta forma, ao invés de pilotar a arca, se multiplica em inúmeras arcas.
A cibercultura expressa, portanto, “o surgimento dum novo universal, diferente das formas de cultura que vieram antes dele no sentido de que ele se constrói sobre a indeterminação de um sentido global qualquer” (Lèvy, 1999, p. 14). Passa a ser um espaço aberto caracterizado pela ausência de modelos, rompendo com noções antigas ligadas à necessidade de universalização do saber ou da crença.
Na senda da informação (procurada ou partilhada), o indivíduo conecta-se e adquire a possibilidade “de contacto amigável, de transações contratuais, de transmissões de saber, de trocas de conhecimentos, de descoberta pacífica das diferenças.” (Lèvy, 1999, p. 13). A conexão neste enorme ciberespaço dificilmente ocorre como ato isolado, o que experienciamos acaba por ser visível para o outro, a nossa rede de conexões, e eventualmente para uma outra rede de conexões, proveniente daquela. “Os contactos transversais entre os indivíduos proliferam de forma anárquica” (Lèvy, 1999, p. 13) e esta intrincada teia torna-nos expostos, mas também muito mais informados. A ilustração mais óbvia desta teia são as redes sociais. A exposição, a reação e a seleção de seguidores traçam uma ‘biografia segmentada’, que produz “ao compartilhar suas experiências, conhecimentos e memórias de modo fragmentado, possibilitando que outros se apropriem daquela informação como se esta fosse uma contribuição para uma memória comum” (Biro,2019). O individual é social, na medida em que ao assumir uma posição ou ao reagir nos inscrevemos num grupo com afinidades semelhantes e provocamos o outro a observar e a reagir. O mesmo ocorre com o Youtube. Seguir um canal implica a inclusão num grupo que partilha do mesmo gosto e ser um youtuber, independentemente do aspeto económico, implica o desejo de formação de um grupo. A ambivalência reside no número de comunidades com interesses díspares a que o mesmo indivíduo pode pertencer. O ser uno passou a desfragmentado e navega na sua arca, “no oceano agitado da comunicação digital” (Lèvy, 1999, p. 15).
Numa entrevista, Pierre Lèvy afirma que a inteligência é fruto do coletivo” e que a “escola perdeu o monopólio sobre a transmissão do conhecimento” (Instituto Claro, 2013). É esta navegação no ciberespaço que proporciona a construção do saber e que inclusivamente convoca a colaboração nessa mesma construção. Tomemos como exemplo os blogues. A exposição de assuntos constitui-se como um acervo consultável, passível de ser comentado e, consequentemente, melhorado, ampliado, num esforço coletivo de construção.
“O segundo dilúvio não terá fim. Não há nenhum fundo sólido sob o oceano das informações. Devemos aceitá-lo como nossa nova condição.” E a cibercultura é, de acordo com Lèvy, “a solução para os efeitos indesejáveis” do desenvolvimento do ciberespaço., que não corresponde necessariamente à formação da inteligência coletiva. “Temos que ensinar nossos filhos a nadar, a flutuar, talvez a navegar.” (Levy, 1999, p. 14) e temos de ensinar os nossos estudantes a imergir e a vir à tona, selecionando e contribuindo assertivamente, com pertinência, contribuindo para uma cibercultura de qualidade.
Lèvy, Pierre (1999), Cibercultura (1.ª edição), Editora 34
Biro, Janos (2019), Pierre Lévy e a cibercultura. Contrafatual. https://contrafatual.com/2019/12/15/pierre-levy-e-a-cibercultura/
Pierre Lévy, o filósofo da cibercultura. (2013). Wikipedia. Instituto. from https://www.institutoclaro.org.br/educacao/nossas-novidades/reportagens/pierre-levy-o-filosofo-da-cibercultura/
"... o dilúvio não terá fim", como refere o autor e não podemos voltar atrás, então cabe-nos a fazer um uso ético e socialmente positivo da tecnologia!
ResponderEliminarExato, Sónia! Só receio que os professores/educadores/formadores estejam ainda muito fracos na navegação... Faz muita falta formação no sentido de aproveitar os recursos e levá-los para a sala de aula.
EliminarFaz muita falta, e mais do que ter oportunidades de acesso, faz falta "despertar consciências".
EliminarE agora? caminhamos para o ensino aberto e plural onde a formação é fulcral.
ResponderEliminar